30.10.08

Discurso de paraninfo - formatura da Biblioteconomia, UFMG, em 17/10/2008.

Caros colegas componentes da mesa, caros alunos, familiares, amigos,

É um privilégio estar aqui a vos falar, da mesma maneira que têm sido um privilégio para nós, professores, ter estado convosco nos últimos anos. Tenho um carinho especial por esta turma, que acompanhei de perto, e pude ver o quanto cresceram...

Há muitas maneiras de se conhecer um ser humano. Há poucas, porém, tão prazerosas quanto a experiência da docência, e dentre elas, a docência na graduação.

Vossos irmãos e amigos compartilharam segredos e angústias durante toda a caminhada, e nós, professores, presenciamos o surgimento daquelas questões existenciais, sobre “quem seremos como profissionais”, “quais caminhos seguir”, “em que escolhas investir”... escolhas estas que desenham o curso das vossas vidas.

Os companheiros, que têm ou terão, viveram e viverão muitos momentos especiais, e, dentre eles, o mais especial de todos, que é perceber a possibilidade de gerar, de criar um novo ser. De certa forma, nós professores percebemos também esta capacidade em vocês, na medida em que buscavam sentido, se ressignificavam, através do conhecimento do mundo e do reconhecimento de fazer parte deste mundo, e surgiam renovados, transmutados, nos semestres, nos anos seguintes.

Vossos pais e responsáveis puderam ver seus primeiros passos e o amadurecimento das personalidades, e nós, também corujas, vimos os primeiros passos acadêmicos e o rito de passagem para a vida adulta, que acontece quando se tomam as rédeas dos próprios destinos. Compartilhamos com vossos pais as arquibancadas onde assistimos os frutos das decisões, os erros e os acertos, e estamos aqui, orgulhosos, para vê-los neste momento, onde mais uma etapa se conclui...

Como os pais, há tanta coisa que gostaríamos de falar... O sonho dos educadores, sejam pais ou professores, é conseguir transferir uma experiência e um aprendizado que acumulamos ao longo de nossas vidas, falar de alguma sabedoria que acumulamos para além do que tratamos em sala, para além de matérias e conteúdos!

Mas há um tempo para que todas as coisas façam sentido, e há o tempo, que muda o sentido das coisas. E nosso aprendizado com vocês, é percebermos, através das suas idéias, das suas crenças e, principalmente, de seus olhos, o que ficou para trás, o que deixou de fazer sentido, o que nós, “mestres”, precisamos reaprender... Qual o mundo em que realmente vivemos, e em que futuro podemos acreditar. A cada encontro, e no fundo, vocês são os espelhos e janelas por onde vemos o futuro. E vendo vocês, aqui, formando como bibliotecários... como os mais novos “guardiões da aventura intelectual humana”... os responsáveis por permitir e propiciar que a informação promova a sabedoria, o conhecimento, a democracia; a despeito dos acúmulos e excessos do nosso tempo. Eu fico muito feliz com esse futuro que vejo em vocês.

Como Guimarães Rosa dizia “mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende.” Ou como dizia Cora Coralina, “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”

De certa forma, vocês são a parcela de futuro que nós – que temos tanto orgulho de sermos chamados de mestres – acreditamos que ajudamos a construir.

Desejo-lhes sucesso. Mas antes e acima de tudo, que sejam felizes.
Obrigado.

5.6.08

Conto de minha autoria

O Sonho do Criador

Aquele dia, após experimentar mais um bocado da bela, mas por vezes sufocante, realidade, o homem foi para casa. O dia havia sido duro: reuniões de negócios, refeições corridas, trânsito congestionado... seus poucos momentos de fuga foram aqueles em que contemplou o burburinho dos transeuntes e olhou para o céu, enquanto comia na calçada seu sanduíche fast food. Mas estes momentos, como que um contraponto, davam significado e, tal como pano de fundo, também permitiam que a figura irrefletida do cotidiano pudesse ela própria significar algo.
Uma vez em casa, viu o homem seus filhos, sua esposa, ela própria também chegada de uma experiência cotidiana semelhante; conversou com eles mas comeu em silêncio, tomou seu banho e foi dormir pesadamente.

E nesse pesado sono sonhou... sonhou que era um macaco. Com a consciência herdada do sonhador, o macaco vivia a alegria de balançar pelas árvores, de fazer parte de um grande grupo, de viver na floresta. Voava solto, despreocupado de qualquer fato que transcendesse as urgências de sua fisiologia. E seu testemunho, a consciência do homem que o sonhava, lhe permitia fruir em dobro do prazer que sentia em simplesmente existir, pois naquele momento era ele – o sonhador – aquele macaco. Após um típico dia de símio, também para aquele macaco o cansaço chegou, e recostado em seu galho preferido, o macaco adormeceu.

E nesse reconfortante sono sonhou... sonhou que era uma cobra. Com a lucidez do macaco, que antes perambulava saltitante de galho em galho, a cobra nem assim se ressentia de mover-se tão monotonamente na dimensão do solo. Sentia os cheiros, texturas e temperaturas... convivia com aqueles que são comumente desprezados pelos grandes bípedes ou quadrúpedes. Entocava-se, espreitava e escondia-se. Mas não só isso. Também nadava, e vez por outra subia em árvores. Sempre, como o macaco que a sonhava, refletindo sobre a experiência de simplesmente ser. No alto de uma destas árvores, que para o propósito de nossa fábula e até mesmo de contextualização, poderia ser a árvore de conhecimento, esta cobra enrolou-se e aquietou-se... e neste estado de baixa atividade começou a hibernar.

E nesse longo sono sonhou... sonhou que era uma árvore. Com a perspicácia da cobra sonhadora que, por sua vez, possuía a amplitude da consciência humana embutida no macaco, a árvore-cobra viu-se mais imóvel como nunca. Mas “por si muove”... lentamente, num outro tempo e sobre outro espaço, esta árvore executava a própria dança da vida, lançando flores, frutos e sementes, num amplo espaço de interação com suas vizinhas naquele grande habitat que era a floresta. E do alto de seus galhos presenciava a vida que explodia, de matutina a noturna, naquele ambiente de convivência que a abrigava.

Talvez embriagada por sua recém adquirida capacidade de refletir, aquela árvore, em seu devaneio, parou por instantes toda aquela atividade que sustenta, incessantemente, a vida. Neste momento, a árvore sonhou.

Sonhou que era uma das infinitas moléculas que transitam por seus canais e, na verdade, são seu próprio tecido constituinte. Esta singular molécula era dotada de uma improvável percepção do todo, herdada da árvore, que herdou da cobra, legada pelo macaco que era o sonho de um homem. E esta percepção lhe permitia conceber a fractalidade, o todo e a parte. A sua mutabilidade disposicional, contrastando com a perenidade de suas partes constituintes, os átomos, que existem desde o sempre, ou ao menos desde os primeiros momentos deste ciclo de explosões e nêmesis. E ao expandir esta molécula sua consciência a estes mesmos átomos, permite que estes, nas suas diferenças, descubram-se feitos dos mesmos componentes fundamentais que, por sua vez, são feitos de energia, ou do verbo soprado do criador.
E foi exatamente com este criador que sintonizaram, na vibração conjunta, estes pequenos átomos... como seus elétrons ou, num nível ainda mais sutil, como os fótons que são liberados ou absorvidos em suas transições de estados energéticos, é este criador que traz a luz... que sustenta, que dá sentido, início e fim ao sonhar. A cada nível do sonhar.

Mas, como que despertados da fascinação momentânea por perceberem a implícita ordem que lhes mostrava o próprio universo, seguiram aqueles átomos e moléculas nas suas monotonias irrepetíveis. Voltaram a ter sentido somente naquele grande coletivo árvore que os abrigava.
Pois como se o próprio tempo houvesse novamente voltado a andar, também aquela árvore volta a pulsar, a produzir alimento próprio e de outrem. Mas num vislumbre lúcido, também ela desperta como uma cobra sonhadora, que não chega a ter o tempo necessário para pensar na maravilhosa experiência que tivera, pois em poucos instantes volta a ser um sonolento macaco.
Pobre primata... como durou pouco seu devaneio. Àquele momento eterno de seu sonhar não se segue nem um lapso de reflexão desperta: já lhe chama o sonhador original, que acorda de supetão, no meio da noite, em seu pequeno quarto.

Se era pobre o macaco, que diríamos deste homem... confuso, não possui a simplicidade de nenhum de seus personagens oníricos e sonhadores para compreender a beleza e unicidade da experiência. No fundo, tem a sensação de que mil vezes ainda precisa acordar. De que não é mais ou menos real do que tudo em que sonhou.

Mas não há problema. A eternidade é o sonho do criador...

Poema - A Montanha

A MONTANHA

Sentado aqui observo a montanha.
Muita coisa já aconteceu ,
menos a montanha.
Ela nunca aconteceu.
Ela já existia ;
e se aconteceu , um dia ,
quem viu isto , já morreu.

Muita gente morreu ;
mas a montanha não morre.
Se chover , a água escorre
e seca , quando há sol no céu.
Distante , fria , imutável ;
dia bonito , ar saudável ;
dia feio , ar sombrio.
Muita coisa aconteceu ,
mas a montanha nunca envelheceu.

Todo mundo envelheceu ,
como as árvores que a cobrem.
Crescem , envelhecem e morrem ;
e da montanha mudam o véu.
Mas a montanha nem percebe ,
não se importa se não recebe
nem carinho nem atenção ;
eu nem sei se ela percebe ,
que a observo , faz um tempão.

Envelhecemos todos os dias ,
mesmo agora , aqui , sentado
enquanto lembro o passado ,
os amigos e as alegrias.
Somos um pouco montanha ;
seu peso em lembranças nas costas ,
muitas cicatrizes , sempre expostas ,
que o tempo abre e fecha aos poucos;
mas , diferentes da montanha ,
muitas pessoas nós amamos ,
com suas vidas , nos importamos
e sem elas , um dia , choramos...

Renato Rocha Souza
29/06/92

Frase do dia!

Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor.

Vladimir Mayakovsky

21.4.08

Hoje estava comentando com minha esposa sobre doação de órgãos... e lembrei-me deste poema que estudei no colégio!

TO REMEMBER ME
(Robert Noel Test)

The day will come when my body will lie upon a white sheet neatly tucked under four corners of a mattress located in a hospital busily occupied with the living and the dying.
At a certain moment a doctor will determine that my brain has ceased to function and that, for all intents and purposes, my life has stopped.
When that happens, do not attempt to instill artificial life into my body by the use of a machine. And don't call this my deathbed. Let it be called the Bed of Life, and let my body be taken from it to help others lead fuller lives.

Give my sight to a man who has never seen a sunrise, a baby's face or love in the eyes of a woman.
Give my heart to a person whose own heart has pain.
Give my blood to the teen-ager who was pulled from the wreckage of his car, so that he might live to see his grandchildren play.
Give my kidneys to one who depends on a machine to exist from week to week.

Take my bones, every muscle, every fiber and nerve in my body and find a way to make a crippled child walk.
Explore every corner of my brain.
Take my cells, if necessary, and let them grow so that, someday, a speechless boy will shout at the crack of a bat and a deaf girl will hear the sound of rain against her windows.

Burn what is left of me and scatter the ashes to the winds to help the flowers grow.
If you must bury something, let it be my faults, my weaknesses and all my prejudice against my fellow man.
Give my sins to the devil. Give my soul to God. If, by chance, you wish to remember me, do it with a kind deed or word to someone who needs you.

If you do all I have asked, I will live forever.