29.7.09

Artigo que minha esposa escreveu, quando da vitória de Paes sobre Gabeira, no Rio de Janeiro (2008).

Três dias de sol, quatro anos de sombra

Publicada em 30/10/2008 às 12h24m
Artigo da leitora Karina Miziara

"E agora, José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou,/ e agora, José?/ e agora, você?/ você que é sem nome,/ que zomba dos outros,/ você que faz versos,/ que ama protesta,/ e agora, José?

Está sem mulher,/ está sem discurso,/ está sem carinho, /já não pode beber,/ já não pode fumar,/ cuspir já não pode,/ a noite esfriou,/ o dia não veio/ o, bonde não veio,/ o riso não veio,/ não veio a utopia/ e tudo acabou/ e tudo fugiu/ e tudo mofou,/ e agora, José?

E agora, José ?/ Sua doce palavra,/ seu instante de febre,/ sua gula e jejum,/ sua biblioteca,/ sua lavra de ouro,/ seu terno de vidro,/ sua incoerência,/ seu ódio - e agora?

Com a chave na mão/ quer abrir a porta,/ não existe porta;/ quer morrer no mar,/ mas o mar secou;/ quer ir para Minas,/ Minas não há mais/ José, e agora?

Se você gritasse,/ se você gemesse,/ se você tocasse/ a valsa vienense,/ se você dormisse,/ se você cansasse,/ se você morresse./ Mas você não morre,/ você é duro, José!

Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia,/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, pra onde?

("José" - Carlos Drummond de Andrade)

Diante da profunda tristeza que me acometeu desde o anúncio do término das apurações no Rio no último domingo, recorro aos versos de um mineiro apaixonado pelo Rio, assim como o Gabeira, para tentar responder a esta pergunta: e agora, Rio?

O que fazemos com os dias em que vimos pessoas que historicamente anulam seus votos por terem total ojeriza aos políticos, votarem pela primeira vez em suas vidas? O que fazemos com nossa emoção de vestir uma roupa verde por sentirmos orgulho de defender uma pessoa ética, inteligente, e que não apaga seu passado de luta - pelo contrário, o traz como lição e orgulho - só para citar algumas de suas qualidades? O que fazemos com o posicionamento de pessoas famosas e anônimas que resolveram se envolver com política, coisa que estava fora de moda há tempos em nosso adormecido país? O que fazemos com o sonho, que acalentamos, de eleger, pela primeira vez depois de anos de limbo, uma pessoa compromissada com nossa cidade, e não com eleições presidenciais, partidos políticos, cargos, enriquecimento ilícito e toda gama de sujeira e podridão que aprendemos a conhecer como sinônimo de política?

O próprio Gabeira referiu-se a uma recuperação da palavra "política" experienciada pelo carioca nessas últimas eleições. Acredito que aprendemos lições... por mais que tentemos ignorar esta realidade, e que pensemos estarmos à parte desta corja de governantes simplesmente dizendo: "odeio políticos", estamos fazendo política! Quando não nos interessamos por uma eleição, ou preferimos viajar para aproveitar o sol, ou simplesmente guardamos para nós mesmos nossa indignação com o que lemos passivamente nos noticiários, estamos fazendo política! Política permissiva e cúmplice de quem ganha com nossa apatia! Sendo assim, resolvi dividir minha decepção com aqueles que sentem como eu, para tentar fazer com que não percamos tudo que conquistamos até aqui e que não perdemos com menos de 2% de diferença.

Termino esse texto lembrando outro ilustre mineiro, Guimarães Rosa, que disse algo mais ou menos assim: "Descasque um mineiro e encontrarás um político". E nós, se descascarmos um carioca, o que encontraremos?

Karina B. Miziara

27.7.09

Se alguém, algum dia, conseguiu falar de saudade, este foi Chico.

Pedaço de Mim
Chico Buarque

Composição: Chico Buarque

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus