16.12.09

Saber Viver

Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar


Cora Coralina

(Feliz Natal)

9.11.09

Relato sobre a viagem à Índia
28 Jan 2002

Meus caros amigos,
Escrevo na tentativa de oferecer uma descrição mais homogênea do que vivi nestes quarenta dias, pois são tantas as perguntas e tantos os amigos a perguntar... Cada hora me lembro de um aspecto, e acabo ressaltando uma faceta para cada pessoa. Nem sei se tenho muito a dizer, pois as maiores experiências em um retiro são subjetivas e internas, mas posso dizer algo da minha impressão sobre a cultura do país, nesta passagem, o que tento nos parágrafos a seguir.

Compreendo agora melhor a imagética que é despertada nas pessoas quando se fala em ir à Índia, pois talvez seja um daqueles poucos países do mundo em que um brasileiro possa sofrer choques culturais. Não posso dizer que conheci muito da Índia. Tive apenas em Mumbai (Bombaim), em Delhi; nas cidades sagradas de Haridwar e Rishikesh (onde passei a maior parte do tempo), em Derah Dum (capital da província do norte, Uttaranchal) e fizemos alguns passeios em pequenas vilas no início da cordilheira do Himalaia (Chamba e Mussorie), de onde vi os picos nevados, dentre os quais o Nandadevi, de mais de 7000 m.

Delhi e Mumbai são cidades grandes como muitas que conhecemos, com seus contrastes de opulência e favelas. Assim como não existe um Brasil, mas vários, o mesmo acontece com a Índia. Talvez de uma forma exacerbada, pois as diferenças culturais se somam às mais de dez linguagens e dialetos, de acordo com a região. A noção de "Índia" como um país toma força apenas após a colonização, pois antes existiam tribos com origens raciais e culturais extremamente diferentes. O sistema de castas, ainda que tenha sido combatido por Gandhi e contestado por vários que o percebem incongruente em um país que se auto-intitula "democrático", continua vigente. As profissões mais nobres são adotadas pelas castas mais nobres, e mesmo entre as castas inferiores existem trabalhos e tipos de serviço que são associados a algumas delas determinadas.

Quando saímos dos grandes centros, podemos ver por que a Índia é um país majoritariamente agrário, pois são vastas as plantações na beira das estradas nacionais. A Índia tem estoques de alimentos para os próximos dez anos, e exporta para os países vizinhos, além de alimentar sua população de quase um bilhão de habitantes (a segunda maior do mundo, atrás apenas da China, que tem quase o dobro). A comida e os itens de vestuário são extremamente baratos. Uma refeição em restaurante custa o equivalente a dois reais, e um pão de forma custa 30 centavos.

Nas ruas, podemos ver carros de modelos antigos que lembram o Brasil há cerca de vinte ou trinta anos, coexistindo nas grandes cidades com novos modelos japoneses e coreanos. Vemos muitos Riquixás, que são triciclos com uma cabine, que servem de táxis. São onipresentes, e o barulho de seus motores é um irritante ruído de fundo. O trânsito é caótico e barulhento, o que contrasta com a mão inglesa que nos lembra de seus colonizadores, tão organizados... a propósito, a palavra "organização" não existe no dicionário de Indi, um dos principais dialetos. As pessoas buzinam todo o tempo, e desviam na última hora do carro que vem, quando estão ultrapassando. O ruído do trânsito das menores estradas da Índia faz o centro do Rio parecer um mosteiro, de tão silencioso. Nas ruas ainda podemos ver as vacas sagradas, que vagam sem rumo e sem dono, e os motoristas que tem que se preocupar em desviar. Matar uma vaca, se proposital, pode levar à prisão perpétua, e se for um acidente, leva o responsável a julgamento como se fosse a vaca um ser humano (lembro-me do ministro Magri com suas cadelas).

Os animais são um show à parte. Além das ubíquas vacas, vimos nas cidades sagradas porcos, macacos, cachorros, búfalos; e numa reserva na margem oposta do Ganges de onde ficávamos, vimos elefantes, pavões, bisões (e há relatos de tigres e gazelas). Os macacos são bravos, e por vezes roubam carteiras e máquinas fotográficas de turistas. Nas cidades sagradas, há centenas de ashrans (comunidades) e milhares de saddhus, swamis, eremitas, monges, ascetas, e outros que fizeram opção pela pobreza e pela espiritualidade, nem sempre porque quiseram, mas porque ser pedinte seja um modo de vida aceito e institucionalizado na Índia. Talvez seja mais fácil exercitar o desapego e a espiritualidade quando o que se tem para se apegar seja tão escasso e desinteressante. Alguns deles moram em cavernas, em florestas, e muitos deles nunca tiveram um lar na vida. Há uma linhagem de monges que andam completamente nus. Os ashrans podem ser todo tipo de comunidade, mas os associamos às comunidades espirituais onde se pratica algum ramo da Yôga. As várias Yôgas estão intimamente ligadas ao hinduísmo, que é uma bela religião. Apresenta uma filosofia prática, além de uma cosmogonia nada dogmática, como podemos ver nas religiões que a sucederam. Mesmo o budismo tomou emprestado diversos elementos e técnicas originalmente associadas ao hinduísmo, com a meditação transcendental.

Na verdade, as diferenças entre o budismo e o hinduísmo são mais artificiais do que se poderia supor, e não vieram de Buda, mas dos budistas. Mas não vou me estender neste assunto, que caberia em uma outra mensagem, talvez maior que esta. É interessante ressaltar que por mais que tenhamos estudos e centros de prática de Yôga no ocidente, estaremos sempre importando as castanhas sem saber como abri-las... A filosofia da Yôga é completamente contrária ao hedonismo e apego material que caracteriza nossa civilização ocidental.

Os indianos são curiosos, e olham bastante para os ocidentais. As mulheres são mais recatadas e não encaram a ninguém (mas olham discretamente). O namoro entre eles é extremamente respeitoso e creio que só têm relações sexuais após o casamento. A geração mais nova me pereceu mais ocidentalizada, em seu modo de vestir e se comportar.

A indiana típica usa seus sáris coloridos, e as muçulmanas cobrem todo o rosto, como nos países árabes (a Índia tem mais muçulmanos que o Paquistão e o Afeganistão juntos). Entre os homens, é comum que amigos andem de mãos dadas na rua, o que a princípio nos causa uma certa surpresa. Lá, ainda hoje é perigoso tomar água ou comer em qualquer lugar. É engraçado observar os indianos comendo com a mão, e reza a lenda que deve ser sempre com a mão direita (que também é usada para cumprimentar). A mão esquerda é usada para limpar o bumbum após ir ao banheiro... Nunca estenda a mão esquerda para um indiano!As ruas são muito sujas, e os esgotos, a céu aberto. Fiquei surpreso pelo fato do Ganges ter a aparência de limpo, o que me deu a impressão de que ele é mesmo sagrado, pois com a quantidade de dejetos e lixo que são jogados, ele deveria parecer imundo. O rio é parte dos rituais sagrados de todas as cidades que atravessa.

O hinduísmo é aparentemente politeísta, mas na verdade, considera um mesmo deus em seus diferentes aspectos. As divindades Vishnu, Shiva, Shakti, Ganesha representam as manifestações da suprema consciência, que tem muitos nomes. Nas cidades sagradas podemos ver muitos ocidentais... alguns com buscas sinceras e outros apenas vestindo suas fantasias. Realmente, há algo de romântico (e de louco) em vestir uma bata, andar descalço, pintar o rosto e incorporar este arquétipo. Pena que na maioria das vezes se perde a essência do que pode ser uma excelente oportunidade de se autoconhecer. O que não faltam são gurus ávidos por discípulos, mas poucos deles podem oferecer um trabalho sério.

Bem, tive sorte de sair ileso nesse período tão conturbado, pois o conflito na região de Kashmir e os atentados terroristas estão esquentando a situação de relações com o Paquistão. A China apóia também o Paquistão, por conta das pendengas que possui com a Índia no Tibet e no Nepal. É uma pena ver que a guerra e conflitos são universais.Tem muita coisa que podemos descobrir ficando sozinhos algum tempo na vida. Mas se for na Índia, esteja preparado, porque ninguém vai a Índia em vão... :-)

Um grande abraço,
Renato

3.11.09

Transcrição de minha palestra na Mesa Redonda - Fé e Razão. UFMG, 11/04/2006.

"Eu gostaria de, inicialmente, agradecer ao Miguel, Fábio e Amanda pelo convite, para falar a vocês em tão ilustre companhia. Eu já dei palestras sobre muitos assuntos, mas é a primeira vez em que sou convidado para falar sobre Razão e Fé. Exatamente por ser novidade para mim, percebi que nunca havia refletido a respeito dessa aparente contradição, quase um oximoro. Eu peço desculpas pelo tom excessivamente pessoal, uma vez que estarei falando a vocês a partir da minha experiência.

O fato é que nunca, em minha vida, Razão e Fé se contrapuseram. A bem da verdade, nem possuo conhecimento – que não seja intelectual - do que seja “Fé”, ao menos na acepção mais comum da palavra. Parece-me que eu sempre “soube”, sempre percebi, desde a mais tenra idade, a presença do numinoso. Crer, ou ter fé, para mim, é uma atitude sobre algo de que não sabemos, de que não temos certeza. Como se diz de São Tomé, que precisou “ver para crer”. E essa percepção, tão atávica, do transcendente, imprimiu em minha alma uma busca pela verdade, pelo conhecimento racional – daquilo que sempre foi intimamente sentido. Se pudéssemos tentar encontrar uma outra pretensa dicotomia que melhor descrevesse minha experiência, esta seria entre a busca do entendimento racional sobre tudo aquilo que de outro modo, eu já sentia. Entre a razão e a sensação. Razão e sentimento.

Durante a infância estas questões estiveram parcialmente adormecidas, mas após a adolescência, rejeitei instintivamente o dogmatismo da educação católica que recebi. Ora pois, a doutrina se intercedia entre meu sentido de sagrado e a minha razão, de forma totalmente artificial. Toda a moral cristã já existia internamente no meu âmago, como ética humana. Por outro lado, os defeitos e a auto-indulgência daqueles que se colocavam como apóstatas de um Deus – que ganhou nome e história – me soavam contraditórios. Parecia a mim, naquela época, que o caminho do cristão era a busca de uma suposta “salvação” de um intangível pecado original, enquanto eu queria ser salvo da ignorância (da falta de conhecimento a respeito) de Deus; essa sim, a fonte de todo o mal. Os “pecados” de que falavam, eram banais, existiam em profusão, cotidianamente, e nada originais. E o que mais me incomodava eram a passividade e comodidade no aceite da condição humana com todas as vicissitudes, porque havia um Deus ao final para “redimir”, para perdoar. O caminho dos cristãos era, para mim, radicalmente diferente da real experiência de Cristo.

Na universidade, flertei com um novo Deus. O Deus da ciência, que era elegante e abstrato, e completamente indiferente às questões humanas. Entre nós, engenheiros, era mesmo considerada primitiva a idéia da religiosidade. A ciência explicava tão bem todas as coisas e ainda operava em um sistema auto-referente que lhe foi concebido de forma a invalidar todos os outros. Mas aquele meu Deus-sentido ainda assim, dava a tudo, sentido... fosse na beleza transcendente da matemática, ou nas entranhas da física quântica... ele estava lá. Quanto mais percebia o universo sob a ótica da racionalidade, mais evidente era para mim que o universo é fruto de uma inteligência superior. E ao sair da universidade, estava mais uma vez em crise, pois embora tivéssemos exemplos de cientistas profundamente religiosos e ainda assim respeitados, como Einstein, ainda assim se buscava expurgar esta “variável” divina e creditá-la a alguma propriedade ainda não conhecida da matéria e energia. O fato é que quanto mais chafurdamos nos domínios subatômicos, mais se percebe a consciência divina que permeia toda a matéria. Eu mesmo acredito que algum dia a ciência ainda vai nos aproximar do conhecimento de Deus. Na faculdade, participei de uma pastoral universitária e o trabalho para o bem do próximo era algo que me reconciliava com a religião católica. Mas a minha verdade ainda estava por ser encontrada.

Formei-me em crise e esta crise me colocou de novo no caminho da busca... cada vez mais fervilhante, cada vez mais necessária. Nessa busca visitei terreiros de umbanda, centros espíritas, mosteiros budistas; participei de workshops com vivências transpessoais, e em todos estes lugares eu encontrava – principalmente – o homem, perigosamente inflado pelos arquétipos de divindade. Mudavam os sistemas, as cosmogonias, as entidades, mas no fundo eu percebia que o belo desconforto que nos leva a buscar a luz, por vezes se dissolve nos grupos humanos, e troca-se o desejo da verdade pela ilusão do pertencimento. Infelizmente, este conforto não me servia. Então li tanto quanto se podia, a respeito de todos os caminhos que se me apresentavam... Estudei a astrologia, o tarô, e descobri em todos estes sistemas um canal para a expressão do self. Li e me emocionei com as vidas dos santos, que em seus modos particulares e verdadeiros, buscavam realmente a imitatio Christi – a imitação de Cristo. Admirei profundamente o caminho da individuação proposto por Carl Jung, e seu livro “Resposta a Jó” me tocou sobremaneira. A narração do embate entre Jó e Javé me marcou, principalmente quando Jung interpreta ter sido este o momento em que Javé resolve encarnar-se como Cristo, para conhecer aquele humano que havia criado. Pela primeira vez alguém afirmava, contrapondo-se a Maslow, que para além da auto-realização, havia um gatilho intrínseco ao ser humano, que é a busca da transcendência. Simpatizei com a idéia do Super-Homem de Nietzsche. Com o mitólogo Joseph Campbell eu conheci as tecnologias do sagrado, que as variadas culturas empregam para entrar em contato com o transcendente. Então eu conheci o Yôga.

No Yôga eu encontrei realmente um caminho que me servia. A essência do Yôga – que significa “união” – é despertar a porção divina dentro de cada um de nós, e unir esta com a fonte, com Deus. Pela primeira vez, a divindade era algo que podia ser experimentado, de forma tão completa, tão arrebatadora, que dissolvia quaisquer dicotomias – razão, sentimento – que porventura existissem. Passei quase dois meses na Índia meditando sob supervisão de um Swami, e entrei em contato com o que conheço de mais real, a experiência estruturante que me conduz. Como na luta de Cristo com os demônios no deserto, como na meditação transcendente de Buda, ou como na preparação do profeta Maomé no exílio... acredito que o sentido, o significado, que dissolve a razão e faz da fé desnecessária, só é encontrado pelo homem no seu íntimo, pois só no seu íntimo pode o homem encontrar a Deus. Desta experiência, me surgiu renovada a certeza da multiplicidade dos caminhos, e também um profundo respeito pelas buscas sinceras de todos os seres humanos – dentro ou fora dos sistemas religiosos. Tenho e busco sempre a consciência das minhas grandes limitações, que só são mitigadas pela certeza de caminhar sempre.

Para fechar, e compartilhar convosco o sentido desta vivência pessoal, digo que acredito que dentro de cada um de nós haja este desejo latente, adormecido. Somos como os girassóis, e, embora possamos ser criados em estufas, nossa maior realização é voltar-se para a luz. A juventude nos empresta diversas bandeiras, a vida nos encarrega de afazeres, e a roda viva por vezes amortece o espírito por muito tempo. Mas eu nunca conheci uma atitude refratária para com o numinoso que se sustentasse para sempre. A ignorância pode ser às vezes uma bênção, mas só a verdade traz a libertação."

Obrigado.

30.10.09

As vezes as músicas nem precisam de letra... :-)

A Sombra - Madredeus

Todo dia tem um pouco da noite da minha vida,
Em que tempo, espaço, infinito
Não cabem, transbordam dentro de mim.

Sinto a angústia do lavrador que,
com sacas e sacas de sementes para plantar, em campos sem fim...
Queria mesmo parar e ver crescer uma única semente, sua vida inteira.




When the night comes
Jon and Vangelis

A women in your soul
Creates the man you hold

And when the night comes
When you relax with me
I'll take you in my arms
I'll make you dream
So just remember this
A kiss is just a kiss
A smile is just a smile, with you

Come to me, say you will
And like a storm I can help you feel
You must believe you hold the key
Come to me, say you will
You are divine, your body holds me tight
You can't imagine[, kiss so we'll know ** "kiss ... know" who knows?]

(Just you) I want you always
(Just you) I want you always
(Just you) I want you always

I want you always
I want you always
I want you always

A woman needs to love
A woman needs to love
A woman needs to feel alive

A woman needs her sex
A woman needs her sex
A woman needs...

23.10.09

Será que ainda se faz música tão boa?
"Five Hundred Miles", com Peter Paul and Mary.



Se bem que esta gravação aqui está mais limpa...

7.10.09

If you want to build a ship, don't drum up people to collect wood and don't assign them tasks and work, but rather teach them to long for the endless immensity of the sea.
Antoine de Saint-Exupery

6.10.09

E, finalmente, a música que encomendei ao Vangelis para a Anita:



Deborah
Jon And Vangelis

I read your letter, I got it just the other day...
You seem so happy, so funny...how time melts away
It's such a pleasure, to see you growing
And how you sending your love to the air today

I think of Heaven...each time I see you walking there
And as you're walking, I think of children everywhere
It's in your star sign...you growing stronger
I can't believe you...so good to care

Thru enchantment, into sunlight
Angel's touch...your eyes...
Your highness...electric...so surprise
Is this your first life...?
It seems as though you have lived before
You help me hold on...
You have a heart like an open door
You sing so sweetly...my love adores you
She does, she's thinking of you right now
I know...

The summer's coming...
I'll keep in touch so you're not alone
Then like the swallow, you'll fly away like birds have flown
So let me tell you...how much I Love You
I'd make the songbirds sing... for you again...

Well now it's goodnight...
Sweet Angel...read this letter...
Well...
A música que eu encomendei ao John Lennon para o Theo:




John Lennon - Beautiful Boy (Darling Boy)

Close your eyes,
Have no fear,
The monsters gone,
He's on the run and your daddy's here,

Beautiful,
Beautiful, beautiful,
Beautiful Boy,

Before you go to sleep,
Say a little prayer,
Every day in every way,
It's getting better and better,

Beautiful,
Beautiful, beautiful,
Beautiful Boy,

Out on the ocean sailing away,
I can hardly wait,
To see you to come of age,
But I guess we'll both,
Just have to be patient,
Yes it's a long way to go,
But in the meantime,

Before you cross the street,
Take my hand,
Life is just what happens to you,
While your busy making other plans,

Beautiful,
Beautiful, beautiful,
Beautiful Boy,
Darling,
Darling,
Darling Sean.
Música que encomendei ao Supertramp para a Karina...



Let me tell you what I want to say
You're the only one who can make me feel this way

My kind of lady
No better love could I embrace
No better heart, no other face
Can quite compare with you
You came along and then you mend my broken dreams
I was so down and then as foolish as it seems
You gave me your affection
Yeah baby you came through

Well make it you'll see
In spite of those who say its wrong
This time we feel that we belong
Now we can truly say
Well be together and that's all well ever need
Well love each other, that's the way its gonna be
And nothing under the sun of moon
Can make us be apart

Oh my honey
You know Ill love you every day
When things go wrong well find a way
Im so glad I met you
Much more than I can ever say
Were making plans and holding hands just like before
Well try again, well make amends along the road
Its felling good, just like it should, this time we know
Well share each other's happiness for now and evermore

I've been wasting my life away
I've got a message for you today
To tell you that you are

My kind of lady
I'm not the same since I met you
All of my dreams had fallen through
And then you came along
One magic night when things went right it was so fine
Looked in your eyes and realized that you were mine
And nothing under the sun of moon
Can make us be apart

Oh my baby
You know Ill love you all the way
When times get hard well smile and say
I'm so glad I met you
Ill love you more and more each day
Were making plans and holding hands just like before
Well try again, well make amends along the road
Its felling good, just like it should, this time we know
Well share each other's happiness for now and evermore
Drummond: dos clássicos...
Apenas porque ainda não o tinha aqui.

Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

25.9.09

Álvaro de Campos (a.k.a. Fernando Pessoa)

O Que Há


O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

10.9.09

How You Gonna See Me Now
Alice Cooper

Dear darlin' surprised to hear from me?
Bet you're sittin' drinkin' coffee, yawnin' sleepily
Just to let you know
I'm gonna be home soon
I'm kinda awkward and afraid
Time has changed your point of view

How you gonna see me now
Please don't see me ugly babe
'Cause I know I let you down
In oh so many ways
How you gonna see me now
Since we've been on our own
Are you gonna love the man
When the man gets home

Listen darlin' now I'm heading for the west
Straightened out my head but my old heart is still a mess
Yes I'm worried honey
Guess that's natural though
It's like I'm waiting for a welcome sign
Like a hobo in the snow

How you gonna see me now
Please don't see me ugly babe
'Cause I know I let you down
In oh so many ways
How you gonna see me now
Since we've been on our own
Are you gonna love the man
When the man gets home

And just like the first time
We're just strangers again
I might have grown out of style
In the place I've been
And just like the first time
I'll be shakin' inside
When I walk in the door
There'll be no place to hide

How you gonna see me now
please dont see me ugly, babe
'cause i feel like i let you down
in oh so many ways

How you gonna see me now
Please don't see me ugly babe
'Cause I know I let you down
In oh so many ways
How you gonna see me now
Since we've been on our own
Are you gonna love the man
When the man gets home

5.9.09

Mais uma da Cecília Meirelles:

"Aprendi com a primavera a me deixar cortar.
E a voltar sempre inteira."

Não sei porque, mas este frio e isolamento favorecem uma introspecção cecíliameirelliana...
No frio chuvoso deste verão galês, estamos prevendo o outono, quiça o inverno!

A chuva chove...
A chuva chove mansamente...como um sono
Que tranquilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente...Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine... E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene
A alma, evocando coisas líricas de outono..."

Cecília Meirelles

1.9.09

Minha mulher lembrou desta linda poesia hoje... e aqui estamos lendo, escutando Chopin:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive

Ricardo Reis

Tem momentos que valem por uma vida.

31.8.09

DESPERTAR É PRECISO

Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.

Vladimir Maiakóvski

Será preciso que passemos por grandes guerras, para que o Brasil venha a ser um pouco mais sério?

    Poema em Linha Reta

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,

    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?

    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    Álvaro de Campos (a.k.a. Fernando Pessoa)

26.8.09

As Sem-Razões do Amor

Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor

21.8.09

Fiz um pequeno vídeo aos formandos de Biblio da UFMG, turma 2009.1
Vejam aqui:

16.8.09

Saúde Mental
Rubem Alves

"Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei.

Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia.Eu me explico.Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se.Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou.

Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham... Eram lúcidas demais para isso.Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata.Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental.Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvir falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software.

O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software.Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam.

Não se conserta um programa com chave de fenda.Porque o software é feito de símbolos e, somente símbolos, podem entrar dentro dele.Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção!

Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio:
A música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou... Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, "saúde mental" até o fim dos seus dias.

Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes.
A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música... Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago?

Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.
Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal.
Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram..."

"Sobre o tempo e a eternidade" Campinas: Ed. Papirus, 1996.

11.8.09

Science is like sex: sometimes something useful comes out, but that is not the reason we are doing it.
— Richard Feynman

10.8.09

Reinvenção

A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! Tudo bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcança...
Só - no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva.
Só - na trevas fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.

Cecília Meireles

29.7.09

Artigo que minha esposa escreveu, quando da vitória de Paes sobre Gabeira, no Rio de Janeiro (2008).

Três dias de sol, quatro anos de sombra

Publicada em 30/10/2008 às 12h24m
Artigo da leitora Karina Miziara

"E agora, José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou,/ e agora, José?/ e agora, você?/ você que é sem nome,/ que zomba dos outros,/ você que faz versos,/ que ama protesta,/ e agora, José?

Está sem mulher,/ está sem discurso,/ está sem carinho, /já não pode beber,/ já não pode fumar,/ cuspir já não pode,/ a noite esfriou,/ o dia não veio/ o, bonde não veio,/ o riso não veio,/ não veio a utopia/ e tudo acabou/ e tudo fugiu/ e tudo mofou,/ e agora, José?

E agora, José ?/ Sua doce palavra,/ seu instante de febre,/ sua gula e jejum,/ sua biblioteca,/ sua lavra de ouro,/ seu terno de vidro,/ sua incoerência,/ seu ódio - e agora?

Com a chave na mão/ quer abrir a porta,/ não existe porta;/ quer morrer no mar,/ mas o mar secou;/ quer ir para Minas,/ Minas não há mais/ José, e agora?

Se você gritasse,/ se você gemesse,/ se você tocasse/ a valsa vienense,/ se você dormisse,/ se você cansasse,/ se você morresse./ Mas você não morre,/ você é duro, José!

Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia,/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, pra onde?

("José" - Carlos Drummond de Andrade)

Diante da profunda tristeza que me acometeu desde o anúncio do término das apurações no Rio no último domingo, recorro aos versos de um mineiro apaixonado pelo Rio, assim como o Gabeira, para tentar responder a esta pergunta: e agora, Rio?

O que fazemos com os dias em que vimos pessoas que historicamente anulam seus votos por terem total ojeriza aos políticos, votarem pela primeira vez em suas vidas? O que fazemos com nossa emoção de vestir uma roupa verde por sentirmos orgulho de defender uma pessoa ética, inteligente, e que não apaga seu passado de luta - pelo contrário, o traz como lição e orgulho - só para citar algumas de suas qualidades? O que fazemos com o posicionamento de pessoas famosas e anônimas que resolveram se envolver com política, coisa que estava fora de moda há tempos em nosso adormecido país? O que fazemos com o sonho, que acalentamos, de eleger, pela primeira vez depois de anos de limbo, uma pessoa compromissada com nossa cidade, e não com eleições presidenciais, partidos políticos, cargos, enriquecimento ilícito e toda gama de sujeira e podridão que aprendemos a conhecer como sinônimo de política?

O próprio Gabeira referiu-se a uma recuperação da palavra "política" experienciada pelo carioca nessas últimas eleições. Acredito que aprendemos lições... por mais que tentemos ignorar esta realidade, e que pensemos estarmos à parte desta corja de governantes simplesmente dizendo: "odeio políticos", estamos fazendo política! Quando não nos interessamos por uma eleição, ou preferimos viajar para aproveitar o sol, ou simplesmente guardamos para nós mesmos nossa indignação com o que lemos passivamente nos noticiários, estamos fazendo política! Política permissiva e cúmplice de quem ganha com nossa apatia! Sendo assim, resolvi dividir minha decepção com aqueles que sentem como eu, para tentar fazer com que não percamos tudo que conquistamos até aqui e que não perdemos com menos de 2% de diferença.

Termino esse texto lembrando outro ilustre mineiro, Guimarães Rosa, que disse algo mais ou menos assim: "Descasque um mineiro e encontrarás um político". E nós, se descascarmos um carioca, o que encontraremos?

Karina B. Miziara

27.7.09

Se alguém, algum dia, conseguiu falar de saudade, este foi Chico.

Pedaço de Mim
Chico Buarque

Composição: Chico Buarque

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

23.7.09

Um texto muito bonito que achei na Internet...

Não se ama por partes

por Patrícia 'Ticcia' Antoniete
de Porto Alegre [RS]
[30/10/2008]

Eu espero que você me ame mesmo depois que o tempo fizer do meu corpo uma lembrança vaga da mulher que conheceste, mesmo depois que, de menina, só me restem os olhos e o brilho que puseste neles. Espero que você me ame mesmo depois de descobrir meus medos, meu segredos, minhas grutas, meus alçapões, mesmo depois de descobrir as feras em meus porões, minhas vergonhas mais tristes, minhas feiúras tão bem guardadas e escondidas, minhas dores atrozes, meus fantasmas, meus naufrágios, meus cadáveres insepultos.

Espero que você me ame além do amanhecer de uma noite perfeita, além do entardecer de uma tarde bonita. Espero que você me ame em plena tempestade, no meio do vento, do frio, na escuridão sem estrelas, no cansaço de porto nenhum, no desespero dos braços que não obedecem, na desesperança dos barcos que não voltam, no vazio.

Espero que você me ame mesmo depois de ver minhas mediocridades, minhas pequenezas, as infimidades que povoam minha vida, minhas cicatrizes, minhas garras, minhas presas, minhas unhas, as fraturas das minhas asas, meu medo de voar. Espero que você me ame depois de conhecer as minhas piores fraquezas, as minhas mais terríveis memórias, todas as dores que eu jamais serei capaz de superar.

Espero que você me ame imperfeita, triste, fraca, pequena, frágil, pouca e para você isso seja mais um motivo para me amar. Porque tudo isso me dimensiona e me configura, porque é também disso que eu sou feita, embora, mesmo para mim, seja tão doído de enxergar. Porque é assim que eu posso te amar: nua, inteira, incompleta.

17.7.09

Texto que escrevi para os formandos em Biblioteconomia de 2009.1
Em primeira mão...

Uma breve história da história.

O que é o homem? E para quê é o homem?
Como disse Guimarães Rosa - três dias antes de sua morte - "a gente morre para provar que viveu. As pessoas não morrem; ficam encantadas".
Desde que existe este homem, efêmero, existe a busca do transcendente, do numinoso, do eterno. Essa vontade de "existir", para além da sua existência. De atirar flechas e comungar com o futuro, mover-se no tempo como se move no espaço.

Há muitas formas de perpetuar-se... dentre elas, gerar vida, criar arte e registrar a história. Vida, arte e história, porém, se confundem, se manipulam, se modificam na medida em que são memória, são registro... o inexorável caminho do homem é hoje demasiado longo, e há muito não se deposita na oralidade a prerrogativa da manutenção das cosmogonias. O escrito é lei! Não existem fatos, mas milhões, miríades, de versões... e os registros têm como destino, como fantasiou Chico Buarque, serem descobertos, revirados, em qualquer futuro, pelos escafandristas. Ou, na imagética atual, pelos arqueólogos da virtualidade... sempre sob a égide do "desejo, necessidade e vontade " dos usuários.

Acontecida ou não, a história está escrita, mesmo que de tantos e tão diversos ângulos e pontos de vista. E o escrito - registrado, sacramentado - é, se não lei, o único subsídio para a hermenêutica. Da interpretação renasce o passado, o que de fato existiu e o que nunca houve, indistintos. Talvez Guimarães Rosa quisesse dizer-nos... a gente escreve para provar que viveu!

Nas alegorias de Bruno Latour ou de Jorge Luís Borges, as bibliotecas são "centros de cálculo" em que se encontram os epicentros do mundo, ou mesmo os "mundos" autoreferentes e autosuficientes. Guardam nos seus ventres a matéria prima de suas profecias. Através da história, nasceram como bibliotecas-cavernas com afrescos naives em paredes... colecionaram registros em papiros e iluminuras em pergaminhos, com seus palimpsestos e projetos de hipertextos. Abrigaram os codex, delicadamente manuscritos, até que vieram os papéis. Estes proliferaram-se em livros, sofrendo a pressão sôfrega dos tipos em prensas, das máquinas de escrever e das impressoras. E neste novo milênio, o arauto Kindle anuncia o divórcio entre informação e suportes, num duro golpe ao saudosismo das gerações da celulose. Em nossos santuários do saber, vão-se os anéis, ficam-se os dedos... mudam-se os substratos, ficam-se os registros, estas tecnologias da transcendência.

E a quem concedemos as prerrogativas deste patrimônio? Não serão estes bibliotecários os verdadeiros Deuses (e não astronautas)? Pois estes senhores e senhoras, desde os garbosos e paramentados em seus guarda-pós até os entusiastas cibernéticos das redes e virtualidades, são os guardiões da aventura intelectual humana. São os Pontífices - construtores de pontes - que costuram o que se sabe sobre o que já houve com o necessário ao que ainda vai haver. No que nos trazem, ou deixam de trazer... no que preservam, ou deixam morrer ... dão forma ao conhecimento, recriam a vida, constroem a história.

Que nos ajudem, sábios e imparciais, a conhecer o que precisamos conhecer, e que esqueçamos o que é imperativo esquecer.
Que sejam os iluminados curadores, dos tempos exponenciais. Que preservem o "sempre", e previnam o "jamais".
Atreva-te!

Texto delicioso da Clarice Lispector, deliciosamente narrado pela minha esposa:

UMA HISTÓRIA DE TANTO AMOR
CLARICE LISPECTOR
CONTOS E LENDAS


Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha.

Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: "Você não tem coisa nenhuma no fígado". Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café - e vinha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.

Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a coisa toda tomava:

- Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! e é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!

Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia informou:

- Nós comemos Petronilha.

A menina era uma criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe:

- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.

Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã do dia seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser querido.

Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.

O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo.

Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens.

21.5.09

An understanding heart is everything in a teacher, and cannot be esteemed highly enough. One looks back with appreciation to the brilliant teachers, but with gratitude to those who touched our human feeling. The curriculum is so much necessary raw material, but warmth is the vital element for the growing plant and for the soul of the child.
Carl Jung
Swiss psychologist (1875 - 1961)
Uma cornucópia de músicas...

18.5.09

TEMPO MÁGICO
(Rubem Alves)

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de "confrontação", onde "tiramos fatos a limpo". Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos". Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena

17.5.09

Charles Aznavour
Hier encore

Hier encore, j'avais vingt ans
Je caressais le temps et jouais de la vie
Comme on joue de l'amour
Et je vivais la nuit
Sans compter sur mes jours qui fuyaient dans le temps
J'ai fait tant de projet qui sont rests en l'air
J'ai fond tant d'espoirs qui se sont envols
Que je reste perdu ne sachant ou aller
Les yeux cherchant le ciel mais le coeur mis
en terre

Hier encore j'avais vingt ans
Je gaspillais le temps en croyant l'arreter
et pour le retenir, mme le devancer
Je n'ai fait que courir et me suis essouffler
Ignorant le pass, conjuguant au futur
Je precedais de moi toute conversation
et donnais mon avis que je pensais le bon
Pour critiquer le monde avec dsinvolture

Hier encore j'avais vingt ans
Mais j'ai perdu mon temps a faire des folies
Qui ne me laissent au fond rien de vraiment precis
Que quelques rides au front et la peur de l'ennui
Car mes amours sont mortes avant que d'exister
Mes amis sont partis et ne reviendront pas
Par ma faute j'ai fait le vide autour de moi
Et j'ai gach ma vie et mes jeunes annes
Du meilleur et du pire en jettant le meilleur
J'ai fig mes sourirs et j'ai glac mes peurs
Ou sont-ils a present, a present mes vingts ans?


Gigliola Cinquetti
Non ho l'età (tradução literal: "Não tenho idade")

Composição: Paroles et Musique: Panzeri, Nisa 1964 © 1964 - Disque Festival note: Grand prix Eurovision - Italie 1964 - 1ère

Non ho l'età, non ho l'età per amarti
Non ho l'età per uscire sola con te
E non avrei, non avrei nulla da dirti
Perchè tu sai molte più cose di me

{Refrain:}
Lascia ch'io viva un amore romantico
Nell'attesa che venga quel giorno, ma ora no
Non ho l'età, non ho l'età per amarti
Non ho l'età per uscire sola con te
Se tu vorrai, se tu vorrai aspettarmi
Quel giorno avrai tutto il mio amore per te

Lascia ch'io viva un amore romantico
Nell'attesa che venga quel giorno, ma ora no
Non ho l'età, non ho l'età per amarti
Non ho l'età per uscire sola con te
Se tu vorrai, se tu vorrai aspettarmi
Quel giorno avrai tutto il mio amore per te

16.5.09

Poesias minhas dos últimos anos...

************
(em 27/09/2006)

"O mais difícil não é saber do numinoso,
mas saber-se dele longe demais.
Nesta perversa geografia sem gozo,
é no interior que meus pecados são capitais"


"Poesia é a indulgência vestida de veludo:
Perdoa-se - pela forma - o conteúdo"

*************
(em 28/09/2006)

"Me perdi e perdido, perdoei;
esqueci, e por isso, mais amei...
Eu cresci, já de tanto que mudei
Que senti, o que sinto, já nem sei.."

******************
(em 29/09/2006)

"Eu sei demais, para ser feliz,
mas sinto tanto, que não sou triste
saber do mundo, sentir a ti
sabendo em ti que a felicidade existe"


"Responda, Pessoa, ao pobre indeciso
Tu que és poeta de mente tão vasta...
Se navegar me recorda que viver não é preciso,
A poesia é a prova de que a vida não basta."

*********************

(em 25/10/2006)

"Tem dia, tem dia
que sol quente vem
depois de chuva fria...
Tem dia, porém, tem dia,
que passo, de supetão
da eufórica alegria
à triste monotonia...
Life can be warm or cold to you
unless
You know always what to dress
Tem dia, meu Deus, tem dia
que até em inglês sai poesia."

****************

(em 08/11/2006)

"És bela...
...de uma beleza antiga /
dessas que não se faz mais /
num mundo de peitos e pernas/
cabelos e almas, artificiais."

*****************

(em 11/11/2006)

"Nasci pessoa praiera,
depois vim pros Gerais...
eu corria nas Paineiras,
hoje planto Jatobás
Vim da terra bossa-nova
Gentileza era profeta
Se aqui Guimarães é pRosa,
é Vinicius meu poeta

Lugares não estão nos lugares
Lugares são dentro da gente
Quando no espaço da alma
A geografia é diferente

Drummond galgou o mundo
Pra morrer colado ao mar
Também mergulhei no profundo
Hei de um dia ao mar voltar.”

******************

(em 11/11/2006)

Escrevo pois não calo, quando falo, desespero
Escrevo porque arde, e com a pena, me flagelo
Escrevo porque é fluido,
Defenestro, pouco cuido.
Beberia se líquido fosse
(fatal lágrima, agridoce)
se fosse sólido, comê-lo-ia (ha ha ha)
(e a dureza me mataria)

14.5.09

Reproduzo aqui texto meu que foi publicado na revista Diversa, da UFMG.

Quando ignorar é preciso
Renato Rocha Souza
professor da Escola de Ciência da Informação ECI/UFMG

Where is the Life we have lost in living?
Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Where is the knowledge we have lost in information?
T. S. Eliot, The Rock (1934)

“Quem lê tanta notícia?”
Caetano Veloso, Alegria, Alegria (1968)

Quando a Unesco estabeleceu os pilares fundamentais da educação para o século 21, buscava-se propiciar uma reflexão sobre o fazer pedagógico, de forma a direcionar os esforços para o desenvolvimento de quatro competências fundamentais no aprendiz: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. O que se percebe, entretanto, em um contexto contemporâneo de excedentes informacionais e uma propalada crise nos juízos de valores dos novos aprendizes, é a falta de um quinto pilar: aprender a ignorar. Ao exclamar a frase em epígrafe, vendo a quantidade de publicações exposta em uma banca de revistas, Caetano Veloso nem sonhava que naquele ano estava nascendo a Internet, que viria a mudar nossa relação com a informação.

As redes e tecnologias digitais propiciaram o que vem sendo chamado de “tempos exponenciais”. Os números que refletem a produção atual de registros de informação são alarmantes. Dados estimados sobre a produção mundial de conteúdo digital apontam para a cifra de 281 bilhões de gigabytes gerados apenas no ano de 2007, ou seja, quase 50 gigabytes para cada ser humano vivo. Isto equivale a mais de cinco milhões de vezes o conteúdo de todos os livros já escritos. Supõe-se que o número total de páginas na web seja próximo a um trilhão. E em 2006 estimava-se que havia cerca de seis milhões de vídeos no site Youtube, com taxa de crescimento de 20% ao mês. Comparados com os cerca de 50 milhões de minutos da vida de uma pessoa longeva, já temos hoje seguramente muito mais conteúdo disponível do que um ser humano pode assistir, se decidisse dedicar toda a sua vida para tal. Ironicamente, as redes móveis, os dispositivos celulares, os leitores de livros digitais como o Kindle, as bibliotecas digitais e os conceitos emergentes como o de wearable computing tornam cada vez mais fácil consumir informações, embora nossa capacidade de atenção e absorção seja a mesma de sempre. Como apontava T. S. Eliot no início do século passado, não há uma relação direta entre a informação e o conhecimento. Tendo a questão em mente, poderíamos nos perguntar: que conseqüências o excesso de informação traz para o ser humano, e mais propriamente, para o processo de ensino e aprendizagem?

Se pensarmos a relação da sociedade com os estoques de informações disponíveis, há uma inegável democratização do acesso, tanto pela maior disponibilidade dos meios de comunicação e a popularização das tecnologias, quanto pelo alcance a uma gama mais significativa e diversificada da produção cultural da humanidade. Torna-se mais difícil o controle das informações, pois as fontes são tantas e tão variadas que os vieses são mais explícitos e mais facilmente contornáveis. Paradoxalmente, é cada vez mais complexo estabelecer parâmetros para julgamento da qualidade da informação, exatamente porque nenhuma amostra é mais significativa diante do todo. No caso da academia, o trabalho de revisão bibliográfica, tão fundamental para a pesquisa, torna-se paulatinamente inviável. São necessários recortes explícitos e muitas vezes arbitrários, pois a quantidade de publicações e fontes disponíveis sobre assuntos específicos é freqüentemente intratável. Tanto pior: excetuando estudos em campos de conhecimento mais perenes, como a filosofia, o fenômeno da rápida obsolescência torna o conhecimento produzido cada vez mais datado.

A saúde também tem estudado as conseqüências do excesso da informação e os transtornos físicos e psicológicos decorrentes. Além das bem conhecidas lesões por esforço repetitivo, resultantes do uso excessivo e inadequado de computadores, há hoje uma série de patologias associadas direta ou indiretamente ao fenômeno, como o estresse, a síndrome burnout e alguns casos de depressão, notadamente em crianças superestimuladas. Há situações em que o excesso de estímulos ou a disponibilidade excessiva de informações tolhe a capacidade de filtragem e julgamento, fazendo com que a captura do sentido seja prejudicada. E há quem diga que são perceptíveis as mudanças nos comportamentos cognitivos das novas gerações, sendo estas visivelmente mais preparadas para lidar com estímulos simultâneos diversificados, porém dificilmente conseguindo concentrar-se seguidamente em um único deles.

Observando o processo em meus alunos, cunhei, jocosamente, o nome para uma nova doença: é Síndrome da Aquisição Desenfreada de Informações, ou simplesmente, Sadi. Esta teria como sintomatologia dois grupos distintos de comportamentos, que não raro acontecem em conjunto: os “sádicos” e os “masoquistas” informacionais. Os primeiros freqüentemente causam em outros a sensação de que há mais para ler, para atentar, para assistir, para experimentar. Não raro, os professores se encaixam nesta categoria. E os últimos tentam desesperadamente haver-se com a quantidade de referências, fontes, estímulos, sites, etc. Não há um só aluno que não se identifique neste último caso. Noto que, na medida em que se torna improvável o aprendizado autônomo pelo excesso de referências e a exigüidade de tempo, este é progressivamente substituído pelos atos de “coleta e organização” de materiais didáticos, num processo que beira o fetiche. Dessa forma, mesmo que não se consiga ler, que não haja tempo para assistir, coletam-se e organizam-se meticulosamente documentos, links, vídeos, apresentações, imagens e gravações em áudio, para consumo em um dia que nunca chegará.

Brincadeiras à parte, é algo para que, como educadores, devemos atentar. O processo de aprendizagem é fruto complexo de, dentre outras coisas, aquisição de informações, vivência de experiências, socialização, desenvolvimento de atitudes e experimentação. As novas tecnologias da informação, ao interligar pessoas e recursos, e promover maneiras diversificadas de interação entre essas pessoas (e entre estes recursos), propicia - num alcance inaudito - muitos dos ambientes onde se pode dar a aprendizagem. Há vários exemplos, como as comunidades virtuais de aprendizado, as informações disponibilizadas em bases de dados e bibliotecas digitais, as interações em redes sociais, em ambientes virtuais, etc. A Internet tem sido uma janela privilegiada onde se observam os avanços da ciência, o curso da história e as tendências da sociedade. Pela sua dinâmica democrática e diversificada, é, talvez, o meio menos enviesado para compreendermos o mundo em que vivemos. Por outro lado, a educação em tempos digitais exige novas atitudes, competências e habilidades nos discentes, e o desenvolvimento de novas visões, metodologias e preocupações por parte dos docentes.

Para evitar a sobrecarga informacional nos aprendizes, há que se estimular a capacidade de distinguir a qualidade, nos excessos e na diversidade, dos recursos disponíveis, e aqueles para os quais se deve prestar atenção. Torna-se fundamental não somente confeccionar materiais didáticos, selecionar conteúdos e promover experiências. Devemos ensinar a ignorar seletivamente. Esta talvez seja a grande competência necessária aos profissionais do século 21.

30.4.09

Randy Wanwarmer
Just When I Needed You Most

You packed in the morning
I stared out the window
And I struggled for something to say
You left in the rain without closing the door
I didn't stand in your way
Now I miss you more
Than I missed you before
And now where I'll find comfort, God knows
'Cause you left me
Just when I needed you most
Yes, you left me
Just when I needed you most
Now most every morning
I stare out the window
I think about where you might be
I've written you letters that I'd like to send
If you would just send one to me

'Cause I need you more
Than I needed before
And now where I'll find comfort, God knows
'Cause you left me
Just when I needed you most
Yes, you left me
Just when I needed you most

You packed in the morning
I stared out the window
And I struggled for something to say
You left in the rain without closing the door
I didn't stand in your way

Now I love you more
Than I loved you before
And now where I'll find comfort, God knows
'Cause you left me
Just when I needed you most
You left me
Just when I needed you most
Oh, you left me
Just when I needed you most

23.4.09

Robert Frost
The Road Not Taken



TWO roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveller, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same, 10

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

Mountain Interval. 1920)
Poeminha do Contra
Mário Quintana

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Poema de Sete Faces
Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

De Alguma poesia (1930)
Álvaro de Campos
Passagem das Horas


Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas…
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca…
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir…
Tão decadente, tão decadente, tão decadente…
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?

Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.

Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico… Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica…

Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.

Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida…

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.

Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila…
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte…
‘Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva…
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem…

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas —
Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.

Beijo na boca todas as prostitutas,
Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
Tudo é a razão de ser da minha vida.

Cometi todos os crimes,
Vivi dentro de todos os crimes
(Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.

Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,
E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).
Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!

(Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)
Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
Os seus half-holidays inesperados…
Mary, eu sou infeliz…
Freddie, eu sou infeliz…
Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco —
Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!

Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim …
Meu coração tribunal, meu coração mercado,
Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
Estalagem, calabouço número qualquer cousa
(Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
Meu coração postigo,
Meu coração encomenda,
Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.

Todos os amantes beijaram-se na minh’alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.

(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
Com as cabeças femininas coiffées de lin
E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo…
Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
E a fita entalada com o fechar da gaveta,
Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la …

Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
Definitivamente para todo o resto do Universo,
E que os carros me passem por cima.)

Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas ás emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
Orgia intelectual de sentir a vida!

Obter tudo por suficiência divina —
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida —
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.

Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.

Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.

Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem —
E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo…
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
Porque não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,

Como uma frase escrita por um doente no livroda rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)…
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer…
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo…
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas…
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tido isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa…
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha,
E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim,
Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural,
Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida…
Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
O baú das iniciais gastas,
A entonação das vozes que nunca ouviremos mais -
Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo
E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
A Brígida prima da minha tia,
O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas,
E a vida era guerra civil a todas as esquinas…
Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o fato é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
há só um caminho para a vida, que é a vida…

Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.

Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavisnio,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.

Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.

No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa,
Vou ao lado dela sem ela saber.
No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado,
Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá.
Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me,
Não há modo de eu não estar em toda a parte.
O meu privilégio é tudo
(Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh’Alma).

Assisto a tudo e definitivamente.
Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
Que não seja para mim por uma galantaria deposta.

Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.

Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.

Ho-ho-ho-ho-ho!…
Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito adiante do corpo
Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
He-la-ho-ho … Helahoho …

Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo…
A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
As rodas da locomotiva, as rodas do elétrico, os volantes dos Diesel,
E um carro puxado a mulas ou a gasolina é puxado pela mesma coisa.

Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca…
Ho —-

Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo!
Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta!
Ave, salve, viva a grande máquina universo!
Ave, que sois o mesmo, árvores, máquinas, leis!
Ave, que sois o mesmo, vermes, êmbolos, idéias abstratas,
A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna,
A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso,
O resto, o estático resto que fica nos olhos que param,
Mas não nos meus nervos motor de explosão a óleos pesados ou leves,
Não nos meus nervos todas as máquinas, todos os sistemas de engrenagem,
Nos meus nervos locomotiva, carro elétrico, automóvel, debulhadora a vapor

Nos meus nervos máquina marítima, Diesel, semi-Diesel,
Campbell, Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
Máquina universal movida por correias de todos os momentos!

Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
Infinito…
Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho…

Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
Rola …

Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível — todos os pontos onde eu não estou — e ao mesmo tempo …

Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resol,,,er a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas …

Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho

Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,
Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,
Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas …

Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,
Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,
Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,
Numa velocidade crescente, insistente, violenta,
Hup-la hup-la hup-la hup-la …

Cavalgada panteísta de mim por dentro de todas as coisas,
Cavalgada energética por dentro de todas as energias,
Cavalgada de mim por dentro do carvão que se queima, da lâmpada que arde,
Clarim claro da manhã ao fundo
Do semicírculo frio do horizonte,
Tênue clarim longínquo como bandeiras incertas
Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis …

Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade …

Carro que chia limpidamente, vapor que apita,
Guindaste que começa a girar no meu ouvido,
Tosse seca, nova do que sai de casa,
Leve arrepio matutino na alegria de viver,
Gargalhada súbita velada pela bruma exterior não sei como,
Costureira fadada para pior que a manhã que sente,
Operário tísico desfeito para feliz nesta hora
Inevitavelmente vital,
Em que o relevo das coisas é suave, certo e simpático,
Em que os muros são frescos ao contacto da mão, e as casas
Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco…

Toda a madrugada é uma colina que oscila,
……………………………………………………………. e caminha tudo

Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge

Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens —
Sol dos vértices e nos… da minha visão estriada,
Do rodopio parado da minha retentiva seca,
Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.

Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua,
Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos
Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua
Passeio lojistas “perdão” rua
Rua a passear por mim a passear pela rua por mim
Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá
A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras,
O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua
O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua

Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
Por todos os precipícios abaixo
E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!

À moi, todos os objetos projéteis!
À moi, todos os objetos direções!
À moi, todos os objetos invisíveis de velozes!
Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me!
Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!

Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!
………………………………………………………
………………………………………………………

Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
Declina dentro de mim o sol no alto do céu.
Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
Calcar, calcar, calcar até não sentir.
Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.

Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada seta, cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo — eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o-o …

Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação …